Dedo que adivinha
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Cuidei que me iria sem passar por isso. Mas a intuição atraiçoa-me e quando o pensamento martela na possibilidade que desejo impossível, quando muito, improvável, não tarda acontece!
Foi assim quando um dia me vesti de distanciamento, amante do isolamento sem me sentir isolada, que ele foi imposto. A toda a gente! É assim quando no espírito começa formigar-me uma desconfiança que raramente não se verifica real. É este malvado ar velado, pesado, ainda que límpido e airoso; queda para desembrulhar presentes envenenados, ou dedo que adivinha, que descartaria com prazer, passaria a jogada ao próximo, porém... nasce-se assim e mais nada!
Talvez. Quem sabe por a ouvir descrever os adesivos postos nos vidros. As senhas e as longas filas para conseguir sustento, aquecimento. Os pequenos luxos como as meias-de-vidro, os cigarros ou os chocolates, "transacionados" por baixo da mesa, num segredo de Estado tão grande como os demais guardados, só acessíveis à nata. O barulho dos motores a avizinharem-se. E depois do inferno na Terra... o silêncio. Cortado logo a seguir pelos gritos dos que saiam, como fantasmas enfarruscados dos frágeis esconderijos descompostos.
De preferência, embora não se escolha, gostaria de morrer velhinha. Bastante velha! Com a família à volta, um sorriso no rosto de todos e, porque não, a mão decrépita, na dos netos, já homens e mulheres.
Não! Nunca! Chorar e gritar por eles, com eles, atrasá-los no caminho da salvação porque ninguém se deixa para trás no seio dos seus. Ser-lhes pesada pelo quinhão que lhe destinariam, privando-se, talvez a si, de mais um pouco que os nutriria.
Gostou faz muito, muito tempo, de ver os potes de ferro fumegar nas lareiras alimentadas a toros armazenados. Caruma e galhos. Acesas, às vezes, com papel impregnado de petróleo, algum pedaço de carvão. Do gosto da comida feita assim... e de esfregar as mãos transida de frio, acocorada perante a chamas, mas agora não!
Não lhes deseja tal. A nenhum! A ninguém. Deus nos livre!