Era simples a vida
Fotogradia, minha
Gostava de sentar-me ali. Na borda dos degraus à sombra das árvores.
A ouvir por perto a água da piscina a correr.
As aves exóticas na gaiola a cantar, voltear. Asas lestas a bater.
Os pavões próximo a arrastar os seus leques.
Mirando entre a hera encaracolada, um escaravelho empoleirado
num galho intruso de ramada,
ora caindo, ora indo, indo...
Até onde a minha cabeça levantada e o olhar atento, já não o descortinava.
Desenhando com um galho algo na terra molhada, a meio da manhã ainda orvalhada.
O portão verde enferrujado aqui e ali, interpor-se entre mim e a vila.
Correr até bater com os pés no rabo, quando a carroça de bois aparelhados passava,
conduzida por um dos meus amigos, à vara,
que combinava, mais tarde, apanharmos todos, agriões no rio.
Dar mergulhos. E como as bogas, de bocas aberta a jorrar...
Rir! Brincar. Chapinhar. Cair sobre as margens a arfar.
Desfalecendo à sombra sobre a erva aveludada.
Inventarmos formas nas nuvens passantes, ou sossegadas.
Ficarmos esquecidos.
Um molho de miúdos unidos.
Até ao longe a voz de alguma das mães nos chamar.
Quero voltar a ter bigodes brancos do leite, bebido acabado de mugir!
Lambuzar-me com as amoras negras sumarentas.
E apesar dos espinhos, não ligar.
Quero voltar de enxada na mão, desviar a água nas levadas.
Ceifar, ou malhar o feijão na eira.
Ouvir gritar "milho-rei" e a festa estalar.
Sentir o cheiro do mosto pisado.
Comer favos de mel, a salvo do ferrão.
Voltar aos lugares onde as gentes que conheci,
Estivessem à minha espera...
Para de novo vivermos momentos tão simples,
de cumplicidade e emoção.