Histórias de Natal - Um punhado de moedas
imagem: Freepik
Ali não ia a lado nenhum. Era um sítio de compadrio. As donas e donos daquilo tudo andavam a cortar-lhe as pernas há anos. Pensava de si, para consigo enquanto descia a rua, mãos nos bolsos, o sapato esquerdo mais cambado que o outro por se apoiar mais naquele lado ao andar. O que não o fazendo coxear dava, ao oscilar, um ar pitoresco.
Parou em frente de uma loja cuja montra mostrava tartes salgadas, doces e uma panóplia de coisas de aspecto delicioso que o fez lamber os beiços. Meteu a mão ao bolso onde só achou duas moedas, sabendo que o valor delas não pagaria mais que um pão. Pequeno!
A campainha da porta tocou deixando sair por ela uma rapariga bem posta que o olhou de cima, a baixo e de peito estufado, seguiu levando no braço um cesto cheio de iguarias. Depois dela um homem. Que por momentos o observou igualmente "tirando-lhe as medidas". Como não virara a cabeça, nem agira como pedinte, ainda parado frente à montra recheada, o homem dirigiu-lhe a palavra.
- Tu, aí. Tens fome? - Entrementes meteu a mão ao bolso e retirou do porta-moedas fino, uma mão cheia de moedas, que lhe estendeu.
- Não, senhor. Muito obrigada! Acabei mesmo agora de comer uma tarte daquelas! - "Com os olhos, pensou para dentro" - Mas como tinha um atacador desapertado, parei.
O homem olhou-o desconfiado. Fixou o olhar no dele e ripostou.
- A sério?! Não estarás a mangar comigo. Nem queres o dinheiro?...
- Longe de mim, senhor! Acredite. Fico muito agradecido pela sua oferta. Ando vestido modestamente, mas trabalho. Acabei há pouco de receber a minha "féria."
- Se tu o dizes rapaz… ainda assim pega lá estas moedas. Se não as quiseres para ti, dás-as a quem delas precisar. - Após ele aceitar, levou a mão ao chapéu alto e fez-lhe uma saudação: - Tem um bom dia e um Feliz Natal - E foi à vida dele.
Enquanto ele se afastava, andou um pouco para diante, não fosse o homem virar a cabeça, vê-lo ainda lá e perceber que mentira. Depois regressou à montra. Observou-a mais uns minutos e decidiu continuar também o seu caminho. Contornou a esquina. Atravessou a rua, uns metros mais adiante e deu de caras com a velhota que vendia flores. Depois entrou na padaria.
- Queria dois papo secos e um bolo, por favor.
Com um dos pães e o bolo no bolso, a comer, o outro "a seco", entrou na igreja ali perto, engolia o último pedaço. Percorreu o corredor até ao altar; curvou-se, benzeu-se e parou depois defronte do Presépio. Meteu a mão ao bolso e retirou o bolo, conservando o pão. Enrolou-o num lenço de papel limpo e colocou-o aos pés do Menino Jesus. Com a ponta de um lápis mal afiado, que por lá, bolso, trazia também, escreveu: "Para quem por aqui passar com fome".
Refez o caminho agora até aos altares laterais e depôs duas Rosas-brancas aos pés da Virgem Maria. Do lado oposto, deixou dois Jarros da mesma cor, nos de São José. Benzeu-se e antes de sair enfiou duas moedas na Caixa das Alminhas, "por quem já lá tinha", pensou.
A "esmola" do gentil senhor que o ajudara, bem repartida, chegara para "todos". Para a velhota das flores comer uma sopa quente; agradecer à Virgem, a São José e, certamente, Jesus faria com que quem comesse o bolo, fosse alguém que sanasse igualmente a fome.
Para si sobrara um pão. A rua para caminhar e a honra dos que, apenas entregues a si, acreditam que Deus protege os que Nele confiam. Amanhã era outro dia. E em cada dia, até aquele, Deus nunca o deixara mal.