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Silêncios

Talvez poesia. Um sondar d'alma e pouco mais.

Silêncios

Os Ovos discriminados

13.12.23, Maria Ribeiro

 

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Imagem: Freepik

 

Era véspera de Natal. A mãe mandou a Joaninha ir à capoeira e num cestinho trazer todos os ovos para começarem a preparar os doces. Mal chegou à cozinha, como a mãe não precisava deles todos à temperatura ambiente, a Joaninha pôs alguns no frigorífico.
A mãe tinha muito cuidado no manuseio dos alimentos. Muito prevenida, já tinha no congelador o peru, para a véspera, o cabrito para o dia e no frigorífico os vegetais. Na despensa, frutos secos, farinha, açúcar, essências, tudo que pudesse precisar e nada faltar-lhe na hora. Por esta altura sobrava sempre imensa comida que a mãe da Joaninha acondicionava cuidadosamente no fresco ou repartia pela família. Mas mal os ovos das poedeiras foram postos ao lado de outros de codorniz que o marido apreciava comer, coitados!... Foram muito mal recebidos e olhados com ares de superioridade.
- Que horror! Vocês já se viram ao espelho? 
- Por quê? - perguntaram admirados.
- Vocês não estão gordos. Estão obesos! Completamente redondos. Não têm vergonha? 
Os ovos de codorniz são pequeninos, com manchinhas mimosas, ligeiramente alongados. A coisa não passaria dali se... como podem imaginar, dentro da espécie dos ovos não existissem também ovos meninos e ovos meninas. E se os "rapazes" não ligaram patavina, elas ficaram quase pálidas de indignação. O mais delicado que pôde, ainda assim, uma delas explicou-lhes que, embora se achassem mais importantes e elegantes, no final quem seriam os protagonistas de todos os bolos e doces de Natal seriam os "rechonchudos". Não eles.
Neste interregno sucedeu o que ninguém esperava. A Joaninha correu cozinha adentro para dar um recado à mãe, abria ela o frigorífico para tirar mais uns ovos; tendo gasto os primeiros numa torta que seria um tronco de natal. Na massa dos sonhos e num pudim. De caminho, pegou também na embalagem dos de codorniz, para iniciar a confeccão das entradas. O encontrão da menina na mãe, sem querer, fez com que ela se desequilibrasse largando as embalagens e quase caísse.
Nas duas caixas, antes de aterrarem nas mãos da Joaninha que se livrou de um bom puxão de orelhas por as apanhar, os ovos maiores, ainda no ar, conseguiram colocar-se por baixo da caixa dos mais pequenos e amortecer-lhes a queda. Resultado. Só dois dos grandes se racharam. Os de codorniz saíram totalmente ilesos. Testemunhas daquele acto de valentia, mesmo após os terem ofendido, os ovos de codorniz muito envergonhados pediram-lhes desculpa.
Como o Natal é magia, mas nem toda a magia do Natal é audível, nem visível ao ouvido e olho humano, foi tempo de abraços e de alegria entre ovos. Uns atiravam farinha a outros. Alguns, acabaram tão manchados de corante como, os que, naturalmente, tinham "padrões" na casca.  
E em harmonia, paz, amor e muita fartura se celebrou mais um Natal na casa da Joaninha. 
  
História publicada "Canela e Chocolate, 12 histórias de Natal", 2010